quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Um beijo


" - A que sabe um beijo?

-Todos temos gostos diferentes e aquilo que eu gosto, tu podes não gostar. E para além disso, cada boca sabe a algo novo, não é?

Acendeu um cigarro e continuou:

- Já alguma vez deste um beijo com vários sabores? Textura de chocolate, paladar de rebuçado, doçura de caramelo...
(Os olhos cheios de estrelas e brilhos... O sorriso (escondido) igual ao arco-íris... )

O ar simultaneamente sonhador e melancólico dela fê-lo ficar calado. Tinha medo de a interromper e como que destruir as suas lembranças e, por isso, nada disse.

Mas ela repetiu: - A que sabe um beijo, para ti?

- Essa pergunta é difícil de responder... Tu própria disseste que cada boca é uma boca e nenhum beijo é igual.

- Sabes como é que se distingue quando estamos apaixonados e quando não estamos?

- Não mas suponho que me vais dizer.

- Sabes que estás apaixonado quando beijas alguém e sentes algo novo. Não, não são borboletas no estômago. Isso é facilmente explicado pelas feromonas, não tem nada a ver com Amor. Também não são pernas a tremer, nem um sorriso tonto no rosto. Pode ser um princípio, sim. Mas não é Amor. Pelo menos ainda.

- Então quando é que sabes que é Amor, afinal?

Ela deu um bafo no cigarro, como que para aumentar a expectativa.

- Quando dói.

- Quando dói?

- Sim, quando dói. Quando sentires o peito magoado de ansiedade e desejo. Quando já não souberes lidar com as palavras, porque aquilo que sentes te transcende. Quando o silêncio e a escuridão não forem incomodativos, nem embaraçosos, então podes saber que é algo a sério.

- E quando é Amor, os beijos sabem a açúcar?

- Não.

- Não?

- Não. Sabem a rebeldia. Sabem a força, como alguém determinado a esmurrar uma parede, mesmo que não haja razão aparente para tal. Mas também sabem a ternura e a carinho... É uma mistura agri-doce de sensações, inexplicável, onde há como que uma luta entre algo selvagem e algo doce. Por isso, sim, sabem a açúcar. Mas também sabem a pimenta. E têm sempre um objectivo: mudarmo-nos, libertarmo-nos. Desprendermo-nos e amarrarmo-nos ainda mais.

- Numa palavra: sabem a Revolução.

- Sim, acho que é isso. Porque o Amor também sabe a Revolução, não é?

Esmagou o cigarro no cinzeiro e suspirou, enquanto ele respondia:

- É. É mais do que isso, até. O Amor é Revolução.

- Sim. O Amor é Revolução... Talvez seja por isso que quando te vejo, o meu coração organiza um golpe de Estado e usurpa o poder à minha cabeça.

- Talvez. E talvez seja por isso que os meus generais destituíram o governante racional que cá estava antes de te conhecer.

E ele beijou-a.

- Soube a Revolução? perguntou ela.

- Não.

- Não?

- Não. Soube a açúcar e pimenta. "
Margarida Rebelo Pinto

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